Retenção vs. Esquecimento

A memória humana reveste-se de uma carácter adaptativo, pois ela tem a capacidade de adquirir, reter e recuperar informação. Assim, coloca-se a questão: toda a informação que entra permanece retida na memória? A memória dispõe de recursos biológicos e cognitivos que para garantirem o seu carácter adaptativo lhe impõem determinadas restrições. Não retemos tudo o que experimentamos, dado que qualquer exigência gera uma “impressão”, ou seja, “a maior parte destas impressões não se convertem em pistas de memória, são simplesmente elementos instáveis que desaparecem” (Vargas, 1994). Deste modo, o esquecimento assume-se como uma condição da memória. E esta por sua vez é condição sine qua non da aprendizagem.  
O esquecimento é uma falha na retenção ou na evocação dos dados da memória, ao contrário da amnésia em que há perda de uma capacidade.
Trata-se de fenómeno muito comum que, em maior ou menos grau, ocorre com qualquer pessoa. Muitas vezes exclamamos “Esqueci-me do meu chapéu!”, ou então, “Onde terei metido as minhas chaves!”. Será que podemos sempre incriminar a nossa memória e responsabilizá-la por esses esquecimentos? Não, pois esses esquecimentos são na realidade defeitos das nossas faculdades de atenção, de concentração e de organização. 
O esquecimento de que falamos é aquele que podemos imputar à nossa memória. É raro e sentido de forma muito cruel por aquele que dele é vítima.

Factores que explicam o esquecimento

ü  Desaparecimento e alteração do traço mnésico: uma hipótese para explicar o esquecimento reside no desaparecimento do traço fisiológico registado no cérebro – engrama – devido à passagem do tempo. O esquecimento teria origem na perda de retenção provocada pela não utilização dos materiais armazenados.
O traço desapareceria devido à falta de repetição do exercício. No entanto há aprendizagens que nunca esquecemos como por exemplo andar de bicicleta.
Para muitos o esquecimento teria então origem na deformação dos conteúdos retidos. Grande parte das deformações ocorre na forma como percepcionamos os acontecimentos, e não numa mudança no traço da memória.

ü  Interferências de aprendizagens: um dos factores que explica o esquecimento reside na interferência de aprendizagens na retenção de outras aprendizagens.

Distinguem-se dois tipos de interferência:
·           Inibição proactiva: influência negativa que a aprendizagem anterior tem sobre a recordação de uma nova informação. Ex: Ao mudar de número de telemóvel, o número antigo dificulta a memorização do novo. No entanto, a partir do momento em que o novo é memorizado, torna-se difícil recordar o antigo;
·         Inibição retroactiva: efeito negativo que a influência nova tem sobre a anterior.

ü  Recalcamento inconsciente: o indivíduo tende a esquecer as experiências que lhe causam sentimentos negativos (dor, angústia…) mantendo-as recalcadas no inconsciente. O esquecimento teria portanto um carácter selectivo, surgindo como um mecanismo de defesa do ego.

Freud chama ainda atenção para um aspecto particular do esquecimento – a amnésia infantil (naquilo que designa como estádio da latência, cujo período oscila entre os 6 e os 11 anos). As primeiras recordações de infância não seriam acessíveis ao sujeito dado que eram constituídas por conteúdos relacionados com uma sexualidade infantil. Muitas das recordações da infância são reconstruções feitas através dos relatos dos pais e familiares.
Freud refere ainda os pequenos esquecimentos do dia-a-dia – actos falhados – erros involuntários provenientes de desejos, sentimentos e pensamentos recalcados. Estão, portanto, relacionados com o inconsciente. São os lapsos, esquecimentos de palavras, de datas, etc.
Recordar é reconstruir: a informação retida, que temos capacidade de evocar, não é reproduzida fielmente quando é recordada; as informações sofrem modificações, produto do tempo, de novas experiências e vivências, das atitudes, valores, motivações e emoções do sujeito. Todos os dados retidos são reelaborados, alterados e deformados.